As Consequências da Justificação – Rm 5:1-11

(Texto em elaboração/revisão)

Introdução

Na primeira parte do capítulo 1 de Romanos, Paulo usa a primeira pessoa: "eu" ("não me envergonho do evangelho"). No capítulo 2, a segunda pessoa: "vocês" ("vocês não têm desculpa", "vocês que se chamam judeus"). Já no capítulo, é a terceira pessoa que é utilizada: "eles" ("o mundo inteiro que deve prestar contas a Deus"). No final do capítulo 4 e no capítulo 5, o pronome é "nós":

  • "temos paz com Deus";
  • "temos acesso";
  • "nos regozijamos" (ou "nos gloriamos").

Paulo se identifica com todos os que têm fé em Jesus – judeus e gentios.

O Texto de Romanos 5:1-11

Enquando em Rm 1:18-3:20 Paulo discorre sobre a necessidade da justificação, e em Rm 3:21-4:25, como esta justificação se dá, a primeira parte do capítulo 5 é dedicada às consequências da justificação (ou o "estado abençoado" daqueles que Deus justifica).

Assim, Paulo começa: "Justificados pois mediante a fé..." e completa com seis afirmações ousadas.

1. "... temos paz com Deus" (v. 1)

Todos buscam paz. A paz com Deus é ainda mais fundamental para o ser humano. Esta paz é justamente o primeiro resultado da justificação. Neste sentido, o termo "justificação" é equivalente a "reconciliação". Deus nos confere o atributo de "justos" ao mesmo tempo em que se dá de si mesmo a nós como amigo, estabelecendo a paz entre ele e nós. Esta paz é possível unicamente pela morte e ressurreição de Jesus. Ele é o "Príncipe da Paz". Além disso, esta paz é uma bênção presente – "temos", é o verbo empregado pelo apóstolo.

2. Estamos em "estado de graça" (v. 2a)

I. A esfera da graça

Literalmente, o texto se lê: "por meio dele [Cristo] fomos apresentados/conduzidos e entramos nesta graça na qual permanecemos". O termo "graça" aqui não significa tanto "favor imerecido", mas a "esfera da graça de Deus", i.e., nossa posição privilegiada de termos sido aceitos por ele (imerecidamente).

Ou seja, "graça" é uma abreviação de presença e poder do próprio Deus. [5] Assim, tendo sido justificados pela fé, estamos literalmente em "estado de graça", uma posição na qual somos rodeados pelo amor e pela generosidade de Deus, sendo convidados a respirá-la como sendo o nosso próprio ar.E ao fazê-lo, descobrimos que foi para isso que fomos feitos, que é assim que o ser humano deveria ser. E isso é o início de algo tão grande, tão inimaginavelmente belo e poderoso que quase explodimos ao meditarmos nestas coisas.

O apóstolo emprega dois verbos, a saber: "ganhamos acesso" (i.e., alguém – Cristo – nos apresentou a esta graça) + "permanecemos" (i.e., ficamos firmes). Muito mais do que uma audiência ocasional com o rei, temos o privilégio de viver no templo e no palácio. Nosso relacionamento com Deus – ao qual fomos trazidos pela justificação – não é esporádico, mas contínuo, não é precário, mas garantido. Não ficamos oscilando para dentro da graça e para fora dela – "nela permanecemos", diz Paulo. Nada pode nos separar do amor de Deus (8:38ss), ele dirá também mais tarde.

II. Graça Desconfortável [4]

Nosso relacionamento com Deus é sempre relacionamento pela graça. A graça nos fez entrar na sua família, e é pela graça que permanecemos nela.

Porém, a graça que nos foi dada nem sempre é uma graça confortável...Pecadores que somos, nos sentimos muito facilmente confortáveis com o nosso pecado. É um pensamento que nos incomodava e que agora se torna uma ação que não nos pesa mais na consciência. É palavra da qual nos arrependíamos que agora é acompanhada de outras ainda piores. É o casamento, que já fora uma imagem de amor bíblico, porém agora mais se assemelha a uma "trégua" em contexto de grerra fria. É o trabalho que se degenerou em tentar fazer o menos possível ganhando o máximo que se puder negociar. É o compromisso de uma vida devocional se transformou em uma obrigação vazia como bater o ponto ao invés de uma real comunhão com o Senhor.

O pecado é como uma infiltração invisível que silenciosamente destrói a fundação de uma casa. Nós temos uma capacidade perversa de nos sentirmos confortáveis com aquilo que Deus diz claramente que é errado. Por esta razão, Deus frequentemente nos abençoa com graça desconfortável.

Ele nos ama tanto ao ponto de nos "esmagar" de forma que sintamos a dor do nosso próprio pecado e corramos em sua direção buscando perdão e livramento. Veja Davi, no Salmo 51. "Faze-me ouvir júbilo e alegria, para que exultem os ossos que esmagaste" (Sl 51:8). A dor semelhante a de um osso quebrado é comparável à dor do coração que se sente quando você vê o seu pecado como ele realmente é. Essa dor é necessária.Deus nos permite sofrê-la para quebrantar o nosso coração – um sinal de alerta de que algo está errado.

A graça de Deus não é sempre confortável porque o seu objetivo não é o nosso conforto, mas moldar o nosso caráter. Deus está decidido em nos restaurar, nos livrar e nos refinar. E, para isso, às vezes tem que nos esmagar.

Você tem se permitido sentir confortável com algo que Deus não quer? Você tem sido tentado a duvidar da bondade de Deus porque está experimentando a dor da sua graça resgatadora e restauradora?

3. Nos regozijamos na esperança da glória de Deus (v. 2b)

A esperança cristã não é incerta como a esperança que fará sol no final de semana, ou sobre nossa saúde. Não. A esperança cristã é uma expectativa alegre e confiante que se baseia nas promessas de Deus (tome como exemplo, Abraão).

Mas qual é o objeto da esperança? O versículo 2b nos diz: "a glória de Deus". Mas o que vem a ser esta "glória"? É o seu esplendor que será evidente no final dos tempos. De certa forma, esta glória já é visível hoje tendo sido revelada na criação (conforme o Sl 19): "os céus proclamam a glória de Deus". No passado, ela foi manifestada em Cristo: "e vimos sua glória, glória como do unigênito do Pai". Porém, um dia, a glória de Deus será completamente revelada: Jesus voltará com "grande poder e glória" (Mc 13:26). Nós não apenas a veremos, mas seremos por ela transformados (1 Jo 3:2; Cl 3:4).

Assim, tendo sido criados à "imagem e glória de Deus" (1 Co 11:7), e agora carecendo da "glória de Deus" (3:23), compartilharemos da sua glória (8:17). E a própria criação aguarda este dia – (conforme 8:21).

Tudo isto faz parte da glória de Deus, sendo portanto o objeto da nossa esperança. A visão que temos da glória futura se transforma em estímulo poderoso para a nossa missão no presente.

Reflitamos um pouco aqui. As consequências de nossa justificação se relacionam ao passado, presente e futuro:

  • "temos paz com Deus" – como resultado do perdão que recebemos no passado;
  • "permanecemos na graça" – nosso privilégio presente;
  • "nos regozijamos na esperança da glória" – nossa herança futura.

Paz, graça, regozijo, esperança e glória. Tudo isso soa perfeito demais... Mas e a realidade de batalhas, desgraça, tristezas, desespero e vergonha na qual vivemos? Este é o próximo ponto do apóstolo.

4. Nos regozijamos também nos nossos sofrimentos (vs. 3-8)

Os "sofrimentos" ou "tribulações" aqui não dizem tanto respeito às nossas dores, medos ou frustrações do dia a dia. O termo grego empregado – thlipseis ("pressão") – tornou-se quase um termo técnico para referir-se o sofrimento do povo de Deus causado pela oposição e perseguição de um mundo hostil ao evangelho. "...no mundo tereis aflições...", já nos havia advertido Jesus (Jo 16:33).

Qual deve ser a atitude do cristão diante do sofrimento? O apóstolo Paulo diz que, mais do simplesmente suportá-lo, devemos nos alegrar por reconhecermos que há uma razão ou um propósito divino por trás dele.

Primeiro, o sofrimento é o caminho para a glória, assim como foi para Cristo (ver Rm 8:17). Em segundo lugar, o sofrimento leva à maturidade. Isto é, o sofrimento pode ser produtivo se respondemos a ele da forma correta. O sofrimento, diz Paulo, produz perseverança (porque sem a frustração não haveria porque perseverar), e a perserverança produz experiência e o caráter maduro de alguém que foi avaliado e passou no teste. E isto nos leva a ter a esperança fundamentada em Deus de que ele completará a obra que começou em nós. Finalmente, o sofrimento é o melhor contexto para sermos assegurados do amor de Deus. Mas como assim? O sofrimento, não nos parece contrário ao amor de Deus? Não. Paulo diz que "a esperança não nos decepciona", pois Deus nunca nos decepcionará, e o seu amor nunca desistirá de nós, seus filhos. Mas como podemos estar certos do amor de Deus? Neste trecho, Paulo nos dá duas bases sobre as quais podemos fundamentar nossa crença no poder de Deus.

Esta questão, no entanto, do amor de Deus – à primeira vista um tema "inofensivo" – traz sérias dificuldades à fé de muitos e consititui-se argumento recorrente usado por aqueles que negam existência do Deus da Bíblia. Assim, precisamos refletir mais profundamente sobre a questão.

4.1. O amor de Deus e a realidade do sofrimento

5. Seremos salvos através de Cristo (vs. 9-10)

  • Até aqui: o que Deus já fez por nós através de Cristo:
    • Fomos justificados;
    • Temos paz com Deus;
    • Permanecemos na graça;
    • Nos alegramos na esperança e nas tribulações.
  • No entanto há muito mais ainda por vir, que ainda não é nosso.
  • V. 9 e 10: "Já e ainda não" — o que Cristo realizou com a sua 1a vinda e o que ainda falta ser feito na sua 2a vinda. Entre a nossa salvação passada e a futura.
  • Você foi salvo? Sim e não!
    • Sim
      • da culpa do pecado e do juízo de Deus sobre ele
    • Não
      • da presença do pecado e de um novo corpo num novo mundo
  • Qual é esta "salvação futura" que Paulo tem em mente aqui?
    • Negativamente:
      • "salvos da ira de Deus"
        • (de certa forma, já no presente)
        • haverá um dia "da ira de Deus, quando o seu justo juízo será revelado" (2:5) e a sua ira será derramada sobre os que rejeitam a Cristo (2:8)
        • Não seremos condenados (Jo 5:24)
    • Positivamente:
      • "salvos pela sua vida" (10)
        • Jesus morreu e ressuscitou para uma nova vida: ele tem a intenção de que seu povo experimente o poder da sua ressurreição.
        • Compartilhamos a sua vida hoje, e compartilharemos da sua ressurreição no último dia (elaborado em Rm 8).
  • O melhor ainda está por vir!
    • Na condição de "meio-salvos" no presente, aguardamos com ansiedade a nossa salvação completa.
  • Como estar certos disso?
    • resposta: v. 9 e 1o — "quanto mais": "se algo já aconteceu, quanto mais no futuro algo acontecerá!"
  • O que é que já aconteceu?
    • justificados (9) e reconciliados (10) — pela cruz ("seu sangue" e "pela morte de seu Filho"):
      • o juiz disse que somos justos
      • o Pai nos recebe em casa
    • Estas coisas custaram caro: o seu sangue (9a) quando éramos inimigos (10a)
  • Se Deus já fez a parte difícil, não poderíamos confiar que ele fará a parte "mais simples" completando o que começou?
    • Se Deus realizou a nossa justificação ao custo do sangue de Cristo, quanto mais salvará o seu povo justificado da ira final!
    • Se ele nos reconciliou consigo mesmo quando éramos inimigos, quanto mais terminará nossa salvação agora que somos amigos reconciliados!
  • Estas são as bases de nossa afirmação ousada: "seremos salvos!"

6. Nos regozijamos também em Deus (v. 11)

  • "nos gloriamos em Deus"
    • Judeus auto-confiantes (2:17 — "Se, porém, tu, que tens por sobrenome judeu, e repousas na lei, e te glorias em Deus;")
      • Como se Deus fosse propriedade deles — monopólio.
    • Cristãos:
      • Reconhecimento de que não temos nada a exigir de Deus
      • Adoração: enquanto inimigos, Cristo morreu por nós
      • Confiança humilde: ele terminará o que começou
    • "Gloriar-se em Deus" = alegrar-se não pelos nosso privilégio, mas pela sua misericórdia; não que o possuímos, mas que somos dele

Referências

[1] J. Stott, "The Message of Romans", Inter-Varsity Press, pp. 141ss.
[2] J. Stott, "The Love of God", All Souls Church.
[3] H. Blocher, "Le Mal et la Croix".
[4] P. Tripp, "Whiter Than Snow"