Unidos a Cristo (Rm 6:1-23)

(texto em processo de revisão)

Introdução

Pensemos em uma possível continuação da parábola do Filho Pródigo. Dois anos se passaram desde o retorno do filho mais moço à casa do seu pai. O convívio com o irmão mais velho melhorou e a vida retomou o seu ritmo. Um pensamento então ocorre ao filho mais moço: "E se eu ajuntar o que preciso para sobreviver, e fugir uma ou duas semanas e então fingir de arrependido e voltar? Se eu fizesse de novo? Haveria outra festa de recepção?"

O simples fato de considerar algo assim gera em nós um sentimento de indignação. Como poderia alguém desprezar e ofender novamente um pai tão amoroso? Mas você acha que é algo impensável? Infelizmente, muitos têm esse raciocínio... Como dizia o poeta alemão do século XIX: "Deus me perdoará. É o seu trabalho." ("Bien sûr, il me pardonnera; c'est son métier")

Há quem acredite que a única mensagem que a igreja deve proclamar é "Deus te perdoa!" "Devemos ser 'inclusivos'" — dizem — "Deus aceita as pessoas como são!" Versículos são até citados: "onde abundou o pecado, superabundou a graça". Pensam que a única coisa a dizer a alguém que pecou é: "Está tudo bem. Deus te ama!"

Paulo, no entanto, argumento a partir do capítulo 6 de Romanos que a graça que salva é a mesma que transforma. A apresentação que fez da doutrina sobre a graça expõe os tremendos privilégios do nosso novo status em Cristo: justificados pela fé, firmes na graça e se alegrando na esperança. A objeção que Paulo agora tem por objetivo responder é: "Você não pode afirmar esta doutrina da graça! As pessoas vão achar que podem fazer o que quiserem!"

Ou seja, tendo pertencido a Adão (autor do pecado e morte), agora pertencemos a Cristo (autor da salvação e vida). Estamos sob o "reino da graça", Paulo chega a dizer no verso 21. Assim, até aqui, Paulo coloca a sua ênfase na segurança do povo de Deus. Pouco disse a respeito da caminhada cristã. É como se tivesse passado direto da justificação para a glorificação, sem o estágio intermediário da santificação.

A partir do capítulo 6, no entanto, a ênfase muda para o processo progressivo de vitória sobre o pecado.

Objeções e Críticas

Em primeiro lugar, somos criticados como cristãos ao afirmar a nossa segurança da salvação pela fé. Afirmar "sou aceito por Deus, e nada jamais poderá mudar isso", não é a coisa mais presunçosa que alguém poderia dizer? Sim, mas apenas se considerássemos o mérito como estando em nós mesmos! Em um mundo de inseguranças, alguém que se sente seguro incomoda...

Em segundo lugar, o que diríamos a alguém que declara que "se Deus nos aceita como somos, é melhor não mudarmos o que somos, pois Deus afirmou que o que somos é bom"? Não seria a doutrina da salvação pela graça um estímulo ao pecado? Em outras palavras, qual a motivação para a santificação? Alguns, preocupados (corretamente) com a proliferação do pecado potencialmente causada pela segurança da salvação, chegam a afirmar (equivocadamente) que é possível perder a salvação.

Se somos justificados pela graça através da fé, sem obras, então, para que boas obras? Não seria isto estimular mais do que nunca as pessoas a pecar! A implicação é que o evangelho de Paulo encoraja o pecado pois promete aos pecadores o melhor de dois mundos: podem fazer o que quiserem neste mundo sem receio de perder as vantagens do próximo. "O mundo e tudo mais", na expressão de A. W. Tozer.

De certa forma, ao longo da história, a igreja oscilou pendularmente do legalismo à libertinagem. A "liberdade" que alegamos desfrutar no presente ("superamos o legalismo") roubou de nós aquela sede de santidade, o que nos marcava como um povo diferente. Sob o pretexto da "contextualização" para o anúncio do evangelho, o que aconteceu em muitos casos foi simplesmente a assimilação dos valores de um mundo sem Deus e a perda da nossa distinção.

Romanos 6:1-23

No capítulo 6 de Romanos, Paulo se defende da acusação de antinominianismo (do grego, "nomos", de onde vêm "norma" ou "lei"). Aos antinominiamos Judas se refere descrevendo-os como "homens ímpios, que transformam em libertinagem a graça de nosso Deus e negam o nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo" (Jd 4).

Neste ponto precisamos parar e refletir sobre o quão frequentemente minimizamos nossas falhas, com base no fato de que Deus nos desculpará e nos perdoará. Antinomianismo é mais facilmente reconhecível nos outros do que em nós mesmos. Segundo Stott, "se proclamamos o evangelho de Paulo, com a sua ênfase na liberdade da graça e na impossibilidade da salvação própria, seremos acusados de antinominianos. Se nenhuma crítica aparece, provavelmente não estamos pregando o evangelho de Paulo."

Mas como Paulo responde à acusação de ser antinominiano?

A resposta de Paulo

Em linhas gerais, o que o apóstolo diz é que a graça de Deus não somente perdoa pecados, mas também nos liberta do pecado. Isto é, a graça faz mais do que justificar, ela também santifica. O que Paulo diz é que, ao se tornar cristão, você mudou de um tipo de humanidade para outro e não deve nunca mais pensar em si mesmo do mesmo modo que pensava anteriormente.

A Estrutura do Texto

Romanos 6:1-23 se divide em duas partes. Os versos 1 a 14 falam da graça que nos une a Cristo. Os versículos 15 a 23 falam da graça que faz de nós escravos da justiça. Há cinco paralelos entre estas duas partes.

Os Paralelos

1. A mesma exaltação da graça de Deus

"superabundou a graça" (5:20f) "não estamos sob a lei, mas sob a graça" (v. 15) Sob a graça/a lei => para a salvação

2. A mesma pergunta sobre o pecado com relação à graça:

"Permaneceremos no pecado, para que seja a graça mais abundante?" (1) "Havemos de pecar porque não estamos debaixo da lei, e sim da graça?" (15) "A graça mina a nossa responsabilidade ética e promove pecado desenfreado?"

3. A mesma reposta indignada:

"De modo nenhum!"

4. A mesma razão para a crítica de antinomianismo:

IGNORÂNCIA: "ignorais...", "não sabeis..."

"Ou, porventura, ignorais que todos nós que fomos batizados em Cristo Jesus fomos batizados na sua morte?" (3) "Não sabeis que daquele a quem vos ofereceis como servos para obediência, desse mesmo a quem obedeceis sois servos, seja do pecado para a morte ou da obediência para a justiça?" (16)

Se tivessem entendido o sentido do seu batismo e da sua conversão, nunca fariam a crítica ou viveriam assim.

  1. A mesma descontinuidade entre nossa vida antiga (antes da conversão) e da nossa nova vida (após a conversão), e assim a incompatibilidade do pecado com a nova vida: "Como viveremos ainda no pecado, nós os que para ele morremos?" (2) "Nos oferecemos a nós mesmos como escravos para a obediência; como podemos repudiar este compromisso?" (16, paráfrase)

Conclusão

Onde está aquela fome e sede de santidade? Por que enxergamos só de perto? Por que as conversões que testemunhamos geralmente não são tão radicais como em outros lugares (países muçulmanos) e em outras épocas? (Apenas um verniz de piedade!) Por que a fome e sede de justiça (social e pessoal) – a marca primeira dos que pertencem ao Reino – foi substituída por uma anorexia espiritual e por um desejo exagerado de autoafirmação? Por que os problemas domésticos (traição, pornografia, dificuldades de relacionamentos, mentira, etc.) parecem ser tão comuns entre os crentes quanto o são entre os não cristãos? Por que o anseio (como o apóstolo Paulo coloca) de "compartilhar a comunhão com o sofrimentos de Cristo de forma que alcancemos a ressurreição dentre os mortos" está tão fora de moda? Por que estamos tão indiferentes a Deus e à sua vontade?

Ser cristão = ser unido a Cristo Ser cristão = ser escravo da justiça Há coisas que não são convenientes Seja o que você é! O Duque de Windsor

Referências

[1] Stott, "A Mensagem de Romanos", ABU
[2] N.T. Wright, "Romans for everyone"