O Propósito da Eleição

(Texto em processo de construção) Luiz A. de P. Lima Jr. (llimajr [at] terra.com.br

A Soberania de Deus

Deus está no controle

Até que ponto cremos na soberania de Deus?

As Escrituras não questionam jamais o controle de Deus sobre todo evento, a sua determinação de tudo o que acontece, globalmente, mas também "no detalhe". Para a Bíblia, Deus é totalmente, radicalmente e absolutamente soberano.

Os dois testamentos atestam de forma abundante o governo efetivo do mundo pelo Senhor dos Exércitos ("pantokrator" – o Todo-Poderoso), de quem, por quem e para quem são todas as coisas, e a quem pertencem, pelos séculos dos séculos, o reino, o poder e a glória.

Os grandes textos bíblicos não deixam dúvidas. Além destes, expressões espontâneas e acidentais da convicção da soberania de Deus são tão abundantes no texto sagrado ao ponto de sufocar, devido ao seu número, a ideia de que o controle do Senhor seria apenas "geral" ou "a grosso modo" (é claro que não podemos ignorar o peso deste último também).

A afirmação de que o "nosso Deus está no céu e tudo faz como lhe agrada" (Sl 115; cf. 135:6) contrasta o Senhor com os ídolos. A afirmação dogmática do apóstolo não deixa outra saída: "Ele opera todas as coisas conforme o conselho de sua vontade" (Ef 1:11).

Além disso, a Bíblia testemunha com frequência que o Criador não se contenta em fixar os tempos e atribuir os espaços (At 17:26), mas tudo o que acontece revela o seu querer. É Deus que faz brilhar o seu sol sobre todos, e é ele que dispensa ou retém a chuva (no Antigo Testamento, a expressão "Deus chove" substitui "chove"). É ele que reveste a erva do campo, que alimenta os pássaros do céu e os leõezinhos e todos os animais do vasto mar (Sermão do Monte e Sl 104).

Deus, o Altíssimo, é o detentor do de todo domínio:

  • ele estabelece e depõe reis;
  • ele eleva e humilha (e.g., magnificat de Maria);
  • ele mata e que faz viver;
  • ele abre e que fecha o ventre (e.g., Ana e Eucana);

e assim por diante. Deus dirige todos os eventos: os grandes e os pequenos. Ou seja, o Senhor é responsável não apenas pelo curso da natureza e da direção global da História, mas também por todos os acontecimentos. Dos infortúnios familiares de Noemi (Rt 1:13,20), ao acidente de trabalho ou na caça cujo responsável involuntário escapa do vingador do sangue (Ex 21:13). O rolar de um dado e o lançar sortes (Pr 16:33; Jn 1:7; At 1:24-26).

Jesus, para bem mostrar que a solicitude divina se estende até as ocorrências mais banais, ensina que nenhum pardal morre independentemente da vontade de nosso Pai (Mt 10:29). Até os cabelos da nossa cabeça estão contados (Lc 12:17)! Portanto, se Deus decide sobre o menor acontecimento, quanto mais sobre o nosso destino! Tanto a confiança em Deus como a oração só têm sentido se estiverem firmadas sobre este fundamento. A ideia preguiçosa (e superficial, já que lhe falta a coragem de pensar radicalmente) de que Deus só se ocuparia do curso das coisas a "grosso modo" ("somos como uma mosca livre dentro de um carro") é completamente ausente do texto sagrado.

Para as Escrituras, Deus se interessa de modo claro pela fidelidade tanto nas pequenas coisas como nas grandes. Não é ele o Deus da formiga assim como o Deus do sol, do elétron assim como o da Via Láctea? A majestade de Deus é revelada não apenas na sua soberania ao levantar e derrubar impérios, mas também na sua carinhosa preocupação com pardais que caem.

Porque Deus tem o controle de tudo, é que Jesus exorta os seus discípulos a confiarem nele. "Olhai os pássaros do céu", "olhai os lírios do campo" (Mt 6:25-34), diz Jesus! Nem mesmo as calamidades podem frustrar a salvação dos eleitos de Deus. Uma vez que tem o domínio sobre todas as coisas, ele pode fazer com que todas as coisas cooperem para o bem daqueles que o amam e que são chamados segundo o seu propósito (Rm 8:28)!

O Catecismo de Heidelberg1 afirma: "Não pertenço a mim mesmo, mas sim – corpo e alma, na vida e na morte – ao meu fiel salvador, Jesus Cristo... Ele cuida de mim de tal maneira que nem um fio de cabelo caia da minha cabeça sem que seja a vontade de meu Pai celeste: na realidade, todas as coisas cooperam juntas para a minha salvação."

Mesmo muitos cristãos que têm dificuldades de aceitar a soberania divina na salvação, compartilham com adepto mais fervoroso da doutrina da predestinação uma confiança no senhorio absoluto de Deus sobre os fenômenos naturais e históricos.

A Soberania de Deus e as Decisões dos Seres Livres

As Escrituras englobam também sob a soberania divina as decisões dos seres livres. Obviamente, se excetuássemos os fatos destas categoria, o que restaria a Deus da História para governar? Por exemplo: Marco Antônio, por amor a Cleópatra, tomou decisões que mudaram a história, concedendo-lhe terras e exércitos, perdendo popularidade e traindo o seu próprio exército. Como já foi dito: "se o nariz de Cleópatra fosse menor, a face da terra teria sido outra." Ou seja, se Marco Antônio não tivesse se apaixonado por Cleópatra, toda a história do mundo teria sido diferente. Assim, se Deus não tivesse controle sobre as decisões pessoais (a paixão de Marco Antônio), como controlaria a história humana?

Os livros de sabedoria reconhecem que ao Senhor pertencem as escolhas que orientam a vida dos homens (Pv 16:1,9 – "Em seu coração o homem planeja o seu caminho, mas o Senhor determina os seus passos."). Jeremias vai na mesma direção (Jr 10:23 – "Eu sei, Senhor, que não está nas mãos do homem o seu futuro; não compete ao homem dirigir os seus passos.").

Mais precisamente, o livro de Provérbios ensina que Deus inclina como quer o coração – o órgão da liberdade – e mesmo o coração do rei – o mais livre de todos os homens. Ele é como um rio na sua mão, que ele o faz correr como deseja, para um lado ou para outro (Pv 21:1).

Assim, Deus "mudou o coração" dos egípcios com relação a Israel (para que o odiassem – Sl 105:25). Efraim suplica na profecia de Jeremias: "Converte-me e serei convertido" (Jr 31:18), pois sabe que Deus o tem nas mãos.

O Novo Testamento confirma a ideia ao dizer Deus dá o arrependimento e a fé que ele mesmo ordena. "É Deus", precisa o apóstolo, "que opera em vós tanto o querer como o realizar, conforme o seu desígnio." (Fp 2:13). Esta admirável formulação bloqueia antecipadamente as tentativas de contorno. Se Paulo tivesse dito somente o "querer", alguns teriam explicado que "a parte do homem" é dar vazão ao impulso suscitado pela graça. Se, por outro lado, Paulo tivesse dito somente o "realizar", alguém poderia dize: "mas ah se nós o quiséssemos!". Mas Paulo não hesita: "o querer e o realizar"! Como se não bastasse, ele ainda frisa a severidade da afirmação: "Assim isto não depende nem daquele que quer, nem daquele que corre, mas de Deus que faz misericórdia" (Rm 9:16). Esta ideia é, ao mesmo tempo, dura para alguns, porém maravilhosa para outros.

O contraponto é o de que as nossas decisões são livres (de uma liberdade criatural, não absoluta, no entanto). É também verdade que nós somos responsáveis por elas: Deus não nos trata como marionetes. Os chamados e as repreensões, as promessas e as advertências que abundam nas escrituras nos mostram o quanto as nossas decisões importam. Porém, não há nas escrituras nenhum vestígio da indeterminação da vontade humana.

A Soberania de Deus e os Infortúnios

Estão também sob a soberania divina os males, os flagelos e as faltas. Como poderíamos dizer que Deus é soberano se excluirmos os fatos desta categoria? Para os infortúnios, há tanta evidência bíblica, do dilúvio às pragas do Egito e do Apocalipse, que não há necessidade de insistir muito sobre este ponto. Os profetas testemunham claramente a respeito disso:

  • Em Amós 3:6, aqueles que não discernem no Senhor o autor do infortúnio para a cidade são taxados de possuir estupidez espiritual;
  • Isaías 45:7 proclama que o bem e o mal (i.e., "desgraça" – NVI, como nas pragas do Egito) procedem dele;
  • Jeremias 31:28 (conforme 45:4ss) nos lembra da fidelidade de Deus às suas ameaças: "'Assim como os vigiei para arrancar e despedaçar, para derrubar, destruir e trazer a desgraça, também os vigiarei para edificar e plantar', declara o Senhor.";
  • As queixas dos Salmos vêm da mesma convicção (e.g., "... a tua mão pesava dia e noite sobre mim..." – Sl 32);
  • Lamentações 3:38 reconhece que o Senhor decide e que ele aflige, na realidade, os seres humanos (conforme 3:33).

A Soberania de Deus e o Pecado Humano

Embora menos facilmente admitido, nas escrituras, mesmo o mal moral é muitas vezes atribuído a decisões divinas. Deus parece até o produzir de acordo com diversos textos (os quais precisaremos considerar como objeções à afirmação de sua bondade absoluta do Senhor).

"Deus", diz o apóstolo Paulo nos remetendo ao Êxodo, "endurece a quem ele quer" (Rm 9:18). O versículo seguinte (v. 19) demonstra que mesmo os atos condenáveis não se efetuam sem a vontade de Deus.

Paulo sabe que esta doutrina provoca objeções. No entanto, ele não a descarta como inexata em suas premissas. Na realidade, mesmo o pecador não resiste à vontade do Senhor. Assim, Deus encerra sucessivamente as nações e Israel na desobediência (Rm 11:32).

Os livros históricos têm abundância de ilustrações deste fato:

  • os filhos de Eli rejeitam a admoestação, "pois o Senhor havia decido fazê-los morrer" (1 Sm 2:25);
  • em Ezequiel, o Senhor vai até o ponto de falar de si mesmo como sendo o sedutor do falso profeta (Ez 14:9), e se aproxima do "doador" do abominável costume de imolação dos primogênitos (Ez 20:25-26).

Em absolutamente nenhum dos casos no entanto, a malignidade do mal se beneficia de alguma indulgência ou atenuação (e.g., Ez 14:9-10). Ao contrário, os textos denunciam o mal e o condenam severamente. O que é excluída, no entanto, é a ilusão da independência das criaturas, mesmo quando são agentes do mal...

Esta convicção da absoluta soberania do Senhor contribui ao temor do Senhor, que tanto falta aos cristãos em nossos dias. Este temor nutre a nossa humilde confiança e derrama o bálsamo do consolo. "Tu me esmagas, Senhor", dizia Calvino, "nas torturas da doença, mas me basta que seja da tua mão".

Somente Deus pode apaziguar, além do perdão, a angústia de alguém que tenha causado males irreversíveis (a exemplo dos irmãos de José), pois até mesmo os pecados estão nas mãos de Deus. Ao compreender que tudo está sob o seu controle, recebemos alívio do fardo insuportável de acharmos que somos a última instância das coisas (ver Gn 45:8). Ele é o Primeiro e o Último, o Alfa e o Ômega. Deus efetivamente reina.

1 The Heidelberg Catechism, written in 1563, originated in one of the few pockets of Calvinistic faith in the Lutheran and Catholic territories of Germany. Conceived originally as a teaching instrument to promote religious unity in the Palatinate, the catechism soon became a guide for preaching as well. It is a remarkably warm-hearted and personalized confession of faith, eminently deserving of its popularity among Reformed churches to the present day.